João Rodrigues tem hoje 80 anos. É ele o 12.º arguido da Operação Lex, suspeito de, como intermediário de Álvaro Sobrinho e de outros empresários, ter solicitado a Rui Rangel que interferisse em processos. Advogado, o seu percurso esteve desde cedo ligado ao desporto. Era presidente da Federação Portuguesa de Futebol quando Portugal ganhou os dois Mundiais de juniores, em 1989 e 1990, foi ele quem promoveu depois Carlos Queiroz a selecionador principal, tendo igualmente sido dirigente da Académica e do Benfica e desempenhado cargos na FIFA.

Tudo começou em Coimbra. Foi lá, na juventude, quando estudava advocacia, que primeiro se aproximou do futebol. Sendo a maioria dos atletas da Académica estudantes na década de 1960, João Rodrigues contactava com eles e tornou-se, depois, dirigente do clube. Não era uma Académica qualquer: era a Académica de Artur Jorge, o “Rei” Artur, mas também a de Toni, de Mário e Vítor Campos, Académica treinada por Mário Wilson, a briosa que afrontava então os “grandes” da Primeira Divisão.

Apoiante de Vieira nos maus momentos, cúmplice nos bons

Mais tarde, em Lisboa, João Rodrigues foi presidente da Associação de Futebol de Lisboa e ocupou, em seguida, diversos cargos na estrutura no Benfica. Nunca escondeu a sua ligação ao clube – e exibe tantas vezes em público o pin do Benfica na lapela do casaco. É presença assídua na tribuna do estádio da Luz, assim como na Assembleia Geral do clube. E sempre se assumiu apoiante de Luís Filipe Vieira. Mesmo nas alturas difíceis. Mesmo quando, em 2012, o atual presidente defrontou nas eleições do clube Rui Rangel.

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Vieira derrotou por larga maioria Rangel em outubro. No entanto, em setembro, e vindo o Benfica de uma temporada (então com Jorge Jesus no banco) em que não revalidou o título de campeão nacional, o presidente foi muito contestado pelos sócios. À saída da Assembleia Geral, João Rodrigues saiu publicamente em defesa do líder benfiquista. E garantiu: “Sei que o Luís Filipe Vieira está cansado. E a injustiça dói. Farei, enquanto adepto do Benfica, força para que ele continue a ser o presidente. Estou tristíssimo [com a contestação na Assembleia Geral], esta não é a imagem do Benfica que todos conhecemos e amamos”.

Mas a ligação de Vieira e João Rodrigues não é apenas a de um dirigente e a do adepto/sócio que apoia a sua continuidade na presidência do clube. Há outras bem mais antigas e não tão claras. Para explicar a ligação entre ambos é preciso compreender a ligação existente entre João Rodrigues e Pinto de Sousa, o antigo presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol.

João Rodrigues considera Pinto de Sousa um dos “cinco amigos” que fez no futebol. E as escutas a Pinto de Sousa durante o processo “Apito Dourado” revelaram que João Rodrigues serviria de intermediário com Luís Filipe Vieira para que o Benfica escolhesse os árbitros para os seus próprios jogos. Na época de 2003/2004, na meia-final da Taça de Portugal que opôs o Benfica ao Belenenses, Vieira terá alegadamente dito a João Rodrigues que queria o mesmo árbitro (Pedro Henriques) que apitara, semanas antes, o Benfica-Beleneneses para o campeonato.

É Pinto de Sousa quem primeiro terá contactado João Rodrigues, conforme consta no processo: “Eu precisava de uma ajudinha. Amanhã, ao meio-dia, tenho de escolher os árbitros internacionais para a Taça. Precisava de dois nomes de árbitros que o Benfica considerasse”. João Rodrigues respondeu de pronto: “Eu vou ligar ao Luís Filipe. Já lhe ligo”. Pouco tempo depois respondeu mesmo, sugerindo: “Ele ficou doido. Quer o do Belenenses [Pedro Henriques]”. Pinto de Sousa lamenta a escolha de Luís Filipe Vieira: “É um bocado chato. Vão perguntar porque repito a nomeação.” João Rodrigues não desarmou: “Vai ser uma chatice. O Duarte Gomes nem vê-lo… Olegário [Benquerença] nem pensar.” Acabou por ser João Ferreira o árbitro da meia-final. E o Benfica venceu 3-1.

Uma notícia do Correio da Manhã, em junho de 2007, reproduzia a escuta da conversa entre Rodrigues e o presidente do Conselho de Arbitragem

Mas nem sempre João Rodrigues foi bem-amado no Benfica. Chegou a ser igualmente alvo de críticas (em público) por parte da estrutura encarnada. Aconteceu em 2004. Não no futebol, mas no futsal.

Nesse ano, o Sporting derrotou o Benfica por 2-0 e sagrou-se campeão. Ao longo da época, o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol retirou ao Benfica sete pontos devido à irregularidade na inscrição do treinador-adjunto João Pinto em três encontros em que, alegadamente, este deveria cumprir castigo — o Benfica garantia que Pinto não estava castigado. Entregue que estava o campeonato, Luís Moreira, o então responsável da equipa de futsal do Benfica, disparou contra João Rodrigues na sala de imprensa do estádio da Luz.

O Benfica tem que repensar o seu projeto, pois andamos a ser prejudicados por pessoas que se dizem benfiquistas. Pessoas que estão no Conselho de Disciplina, no Conselho de Justiça e na Federação Portuguesa de Futebol. Já o Sporting tinha comemorado o título de campeão e ainda nos diziam que íamos ganhar os sete pontos, podendo pedir a revisão da sentença. Só que isto não correspondia à verdade e quem nos convenceu disso deixou de me atender o telefone. Estou a referir-me ao João Rodrigues. Espero que este senhor seja banido, pois não admito que brinquem com o Benfica. É vergonhoso o que se passou. E tudo por culpa de pessoas que se dizem benfiquistas”, criticou Luís Moreira.

As movimentações na FIFA para reduzir o castigo a João Pinto

João Rodrigues foi presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) entre 1989 e 1992. Mas, mesmo após ter deixado a Federação, e tendo assumido após isso cargos de topo na hierarquia da FIFA — designadamente nas comissões de Disciplina e Justiça –, continuou sempre ligado à FPF, servindo muitas vezes de ligação entre Gilberto Madaíl (presidente da Federação entre 1996 e 2011) e João Havelange, primeiro, ou Joseph Blatter, depois, ambos presidentes da FIFA. Rodrigues era próximo destes.

Pelo menos num caso esta “ligação” (e a influência que João Rodrigues tinha junto da presidência da FIFA) foi decisiva. Para a compreender é preciso recuar a 14 junho de 2002 e ao jogo Portugal-Coreia do Sul do Mundial. Nesse dia, João Pinto agrediu com um soco no estômago o árbitro argentino Angel Sánchez, imagens essas que correrem o mundo. De acordo com os regulamentos da FIFA, no artigo 35.º, o castigo poderia ter ido até cinco anos (quatro jogos era o limite mínimo) de suspensão de toda a atividade desportiva, pois tratava-se do caso de um jogador que “deliberadamente agrediu alguém fisicamente”. Por bem menos, e após o França-Portugal da meia-final do Euro 2000, Abel Xavier foi punido com nove meses de suspensão, Nuno Gomes com oito e Paulo Bento com seis. A suspensão de João Pinto, contudo, foi de apenas seis meses do castigo, dois deles com pena suspensa.

A imagem da agressão de João Pinto ao árbitro no Mundial de 2002

Foi o advogado João Rodrigues quem acompanhou João Pinto em todo o processo e se movimentou nos corredores de Zurique para atenuar a pena do jogador. Quando soube que era curta, Rodrigues diria: “Ele pediu desculpa pelo ato irrefletido O posicionamento do João Pinto foi de grande coragem, carácter e entrega total. Ele assumiu e isso foi extremamente relevante para o castigo”. João Pinto não esqueceu o papel do ex-presidente da FPF, fazendo questão de dizer que este fora “incansável”.

Presidente quando Portugal foi campeão do mundo de juniores, acabou a promover Queiroz à seleção principal

João Rodrigues era o presidente da Federação Portuguesa de Futebol aquando das vitórias no Mundial de juniores de 1989, em Riade, e de 1991, em Lisboa. O atual team manager da Seleção, Carlos Godinho, explicou ao Observador que, embora não vendo o antigo presidente “há muito tempo”, João Rodrigues sempre foi um líder diferente do habitual, alguém “extrovertido” e “próximo do balneário”. “Era uma pessoa aberta. Não tinha uma ‘veia’ apenas administrativa”, acrescentou.

Foi o próprio João Rodrigues quem, após a conquista do Mundial Sub-20 de 1991, convidou Carlos Queiroz para trocar a liderança das seleções jovens e assumir a seleção principal. Carlos Godinho ascendeu também na estrutura com Queiroz. “O convite foi-nos feito porque fomos campeões mundiais. O Carlos Queiroz ascendeu do futebol júnior e ascendi com ele. Eu era na altura o secretário-técnico. Então, comecei a trabalhar com o Carlos Queiroz na seleção principal em julho de 1991. Com o João Rodrigues não trabalhei tantos anos assim porque depois do Mundial de 1991 houve uns problemas na Federação e o João Rodrigues deixou a presidência”, explicou Godinho, concluindo: “Os problemas não foram connosco, equipa técnica, foram com a estrutura do futebol da altura, problemas relacionados com a organização desse Mundial de 1991. Foi ele o responsável, enquanto presidente da Federação, pela organização”. Quais, não se sabe ao certo.

Mas sabe-se que mais tarde, ao lado de José Sócrates e Carlos Cruz, João Rodrigues foi igualmente fundamental (precisamente pela sua ligação à FIFA mas também à UEFA) no sucesso da candidatura portuguesa à organização do Euro 2004.

Não deixou Cintra levar Queiroz para o Sporting e criticou o “faustoso” amigo Blatter

João Rodrigues com o seu antecessor na presidência da FPF, Silva Resende

Mas voltando atrás e ao começo (com o sucesso no futebol júnior de Portugal) da década de 1990. À época em que João Rodrigues liderou a Federação, o presidente do Sporting era Sousa Cintra. E após a conquista do Mundial em Riade, Cintra quis Carlos Queiroz em Alvalade como treinador. Mas Queiroz só chegaria a Alvalade mais tarde, em 1993, substituindo Bobby Robson no banco. E não chegou antes porquê? Porque João Rodrigues fez finca-pé. Em entrevista à RTP, em 1990, um ano antes do Mundial Sub-20 realizado em Portugal — e pouco depois da renovação de Queiroz –, o próprio explicou porquê.

Há relativamente pouco tempo o professor Carlos Queiroz celebrou com a Federação um contrato com a duração de cinco anos. É uma pessoa muito inteligente, muito prudente e extremamente consciente e responsável. Portanto, não posso acreditar que haja qualquer fundamento nesta notícia. Dispensá-lo para o Sporting? Se renovámos é porque estamos extremamente satisfeitos com o trabalho dele. Nem nos passa pela cabeça uma situação dessas. Não o vamos libertar.”

Do passado para o presente, foi curiosa a declaração de João Rodrigues quando, em meados de 2016, soube do escândalo de corrupção na FIFA que envolvia o amigo de longa data Joseph Blatter. “Nunca acertei no totobola nem na lotaria, não sou adivinho, mas quando ele [Blatter] foi eleito desta vez, disse que não estaria mais de um ano no poder. Esteve quatro dias”, afirmou João Rodrigues durante a apresentação do livro “FIFA Nostra” do jornalista Luís Aguilar, precisamente sobre o fenómeno da corrupção que abalou o organismo máximo do futebol mundial.

João Rodrigues recordou ainda um episódio do “faustoso” Blatter: “Quando João Havelange chegou à FIFA, esta tinha a sede num andar em Zurique. E a primeira coisa que ele fez foi arranjar dinheiro para a construção de uma nova sede — que se revelou extremamente pequena algum tempo depois, pelo que houve necessidade de comprar um terreno para a construção de uma sede. Três anos depois o Joseph Blatter, aproveitando uns hectares que João Havelange tinha comprado, fez o monumento que se vê, sem nexo e sem outra justificação que não fosse o fausto”. O antigo presidente da Federação Portuguesa de Futebol acreditava que a “vassourada” a Blatter permitira a “regeneração progressiva” na FIFA.

A ligação a Rangel (que o implica na Operação Lex) via Álvaro Sobrinho

João Rodrigues é o 12.º arguido da Operação Lex. Tal como aquele para quem, outrora, terá “encomendado” (junto de Pinto de Sousa) árbitros: Luís Filipe Vieira. Mas neste processo não haverá nenhuma ligação entre Rodrigues e o presidente do Benfica.

Caso Rui Rangel. O que já se sabe e quem é quem no processo

O antigo dirigente do Benfica foi constituído arguido (e indiciado por corrupção ativa) assim que aterrou em Portugal, na última terça-feira, à chegada de Luanda. Em Angola, onde agora centra a sua atividade, João Rodrigues tem ligações ao empresário Álvaro Sobrinho, de quem foi advogado. Rodrigues é suspeito de ter servido de intermediário entre Sobrinho e Rui Rangel (figura central na Operação Lex) em 2015. Nesse ano, a 19 de novembro, foi proferido no Tribunal da Relação de Lisboa um acórdão que anulou o arresto de cerca de 30 imóveis (quatro prédios e 26 apartamentos, um património avaliado em cerca de 80 de milhões de euros) pertencentes ao ex-administrador do BES Angola. Os bens encontravam-se arrestados à ordem de um processo por branqueamento de capitais. O relator do acórdão foi Rui Rangel.

João Rodrigues, enquanto representante de Sobrinho, é suspeito de ter pago ao juiz desembargador para tomar uma decisão favorável ao empresário angolano, escrevem o JN e o CM.

Esta quinta-feira, a revista Visão adianta que, alegadamente, outros empresários (incluindo José Veiga, antigo diretor-geral da SAD do Benfica) terão recorrido, entre 2004 e 2007, ao advogado para obter decisões judiciais favoráveis em processos que corriam no Tribunal da Relação de Lisboa. Rangel, que é juiz desembargador da 9.ª Secção Criminal, e a também juíza desembargadora e ex-mulher Fátima Galante, “venderiam” essas decisões. João Rodrigues seria, portanto, uma espécie de intermediário entre a “rede” de Rangel no Tribunal da Relação e vários empresários.