Os portugueses podem ter uma surpresa bastante desagradável quando regressarem de férias, em Setembro. Após o Verão, entra em vigor o novo sistema de determinação das emissões poluentes, com destaque para o dióxido de carbono (CO2), por ser aquele que é taxado pelo Imposto Sobre Veículos (ISV), com impacto directo no preço dos automóveis novos. O sistema em causa é o WLTP (de Worldwide Harmonized Light Vehicles Test Procedure), que substitui o NEDC (de New European Driving Cycle). Sucede que, sendo ambos calculados em banco de potência, em laboratório, o novo promete ser substancialmente mais realista do que o NEDC até aqui utilizado. Veja aqui a diferença entre ambos os sistemas de medição.

Esta maior eficiência e, sobretudo, aproximação à realidade, leva o WLTP a encontrar em média mais 30% de CO2 nos veículos medidos, o que vai incrementar o ISV a suportar pelo comprador. Segundo o Observador conseguiu apurar, se um pequeno automóvel a gasolina tipo Renault Clio, Volkswagen Polo ou Peugeot 208, para mencionar apenas alguns dos mais vendidos, pode aumentar entre 200€ e 300€, um veículo com motor 1.6 ou 2.0 turbodiesel, pode perfeitamente dar um salto de 2.000 a 3.000€.

Segundo a ACAP, este drama para os consumidores vai ser uma realidade sobretudo em quatro países europeus – Portugal, Dinamarca, Holanda e Irlanda, por serem aqueles em que o imposto penaliza mais violentamente as emissões de CO2 –, isto porque nenhum deles acatou os conselhos da União Europeia (UE), que pediu aos países que revissem os seus sistemas fiscais de modo a que a carga de impostos não reflectisse a passagem de NEDC para WLTP. O que se compreende, uma vez que estamos a falar dos mesmos veículos, dos mesmos motores e, logicamente, das mesmas emissões poluentes.

Qual é o problema?

A partir do dia 1 de Setembro, todos os veículos novos – não por serem novos, mas por serem homologados pela primeira vez – vão estar sujeitos à homologação via WLTP. Os valores de CO2, segundo os especialistas, vão ser superiores em média 30% aos anunciados nos tempos do NEDC. Mas para evitar uma subida tão drástica, o regulamento prevê também que, até 1 de Janeiro de 2020, seja feita uma conversão parcial do WLTP em NEDC, originando aquilo que se convencionou chamar de NEDC2, na essência superior ao NEDC normal em cerca de 15%.

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Em termos práticos, em Setembro um veículo como o Renault Clio a gasolina (ou um concorrente directo) pode aumentar até 300€, mas caso monte um motor a gasóleo dos mais possantes pode ver o seu preço agravado em 1.500€ a 2.000€. Um modelo de maior dimensões e cilindrada pode ultrapassar os 3.000€, existindo casos pontuais que podem mesmo superar esta fasquia. O ridículo da situação fica provado se tivermos em conta que estamos a falar do mesmo modelo que, até final de Agosto, será proposto por valores bem inferiores, apesar de realizar os mesmos consumos e emitir os mesmos poluentes.

O Governo não quis mexer nas tabelas, seguindo uma sugestão da UE, com receio de diminuir o encaixe com o ISV, pelo que esta é uma situação que ou as marcas conseguem ultrapassar, ou os clientes vão ter de suportar o aumento do seu bolso”, adianta a ACAP.

O que pode ser feito para ajudar os clientes?

Como seria de esperar, as marcas não vão ficar paradas à espera de ver as suas vendas minguarem, para não dizer desaparecerem – pelo menos nos veículos mais penalizados pelo CO2 – enquanto o Governo não aceita uma solução, apesar de estar já em funções um grupo de trabalho para estudar a melhor fórmula para garantir a receita, mas evitar subidas absurdas.

Há várias hipóteses em cima da mesa e uma das que pode ser mais popular, sobretudo entre os fabricantes de maior volume, é encomendar e matricular um valor enorme de modelos em Agosto, que permitam abastecer o mercado a preços antigos – ou seja, mais baixos – nos quatro últimos meses de 2018.

Outra solução, mas que apenas cobre um mês de vendas, ou pouco mais, diz respeito à possibilidade que o próprio regulador abre e que permite vender a preços antigos aquilo que denomina como “veículos em fim de série”, denominação que serve para qualquer tipo de modelo, mas limitada a somente 10% das vendas no ano anterior, com um máximo de 100 unidades.

Mas existe ainda outra alternativa, também criada pelas regras do jogo. Segundo o secretário-geral da ACAP, Hélder Pedro, todos os veículos produzidos até Maio de 2018, podem ser vendidos com os impostos antigos até, no limite, 31 de Dezembro de 2019. Os importadores portugueses só têm de conseguir convencer as marcas que representam a criar um ‘pulmão’ de veículos novos à saída da fábrica, guardá-los e depois expedi-los sempre que são necessários para abastecer o nosso mercado.

Caso Autoeuropa

Um excelente exemplo desta solução surge, curiosamente, aqui em Portugal. A Autoeuropa, a fábrica do Grupo Volkswagen que produz o SUV T-Roc para o mercado europeu, não desconhece o problema com que têm de lidar os países que taxam os seus veículos pelo nível de CO2. Assim, e segundo o Observador conseguiu apurar, a fábrica de Palmela preparou já um espaço junto às suas instalações para armazenar um generoso lote de veículos, montados até 31 de Maio, que depois vai utilizar para abastecer exclusivamente o mercado português, mas também o dinamarquês, holandês e irlandês.

O Observador contactou os responsáveis pela Autoeuropa mas, até ao momento, não conseguimos que nos confirmassem, ou negassem, esta informação. Sendo que uma decisão deste tipo, por parte da fábrica portuguesa do fabricante germânico, nada tem de estranho ou de complexo, tratando-se apenas de uma questão de programação, sem grandes custos associados.

Para quando uma solução?

Para Hélder Pedro, a ACAP e os seus associados estão a negociar com o Governo, no já mencionado grupo de trabalho, que inclui ainda representantes do Instituto da Mobilidade e dos Transportes e Autoridade Tributária. Se o Governo garantiu que nada iria fazer em 2018, com receio de uma hipotética redução do encaixe fruto do ISV, é igualmente certo que promete abertura para encontrar uma solução para 2019, que deverá ser definida até estar encerrada a discussão do Orçamento do Estado, o que acontecerá em Outubro.

É claro que o Governo tem ‘a faca e o queijo na mão’, mas conhecendo-se o temor que os governantes revelam pela contestação popular, especialmente em ano de eleições, como é 2019, os responsáveis pelo comércio automóvel em Portugal têm razões para sorrir. E os clientes também pois, caso não haja uma resolução razoável, vai haver 200.000 eleitores muito aborrecidos – aqueles que, em média, compram carro novo todos os anos.

Entretanto, a ACAP e os seus associados delinearam uma estratégia que, aparentemente, tem tudo para cair no goto da máquina fiscal do Estado. Como a introdução do NEDC2, em Setembro deste ano, vai motivar um incremento do ISV de 15%, mais o incremento de 15% a surgir em Janeiro de 2020, quando for implementado o WLTP, foi sugerido ao grupo de trabalho que o novo orçamento, o de 2019, preveja já o WLTP (saltando por cima do NEDC2), acomodando uma subida de impostos de 5 a 6%, um importante reforço para os cofres do Estado, mas nada que não seja passível de ser absorvido, pacificamente, entre clientes e construtores.

Quem parece escapar incólume ao WLTP são os veículos eléctricos, que obviamente não emitem COdurante a utilização, com os híbridos e especialmente os híbridos plug-in a terem de suportar um valor residual. Isto porque, à semelhança do que acontecia até agora, continuam a ser avaliados pelo que emitem só nos primeiros 100 km, ou seja, quando ainda têm carga na bateria que faz todo o trabalho nos primeiros 40 ou 50 km.